Resumo Reunião Científica: Controvérsias em Radioterapia
Palestrante:
Dr. Carlos Lima Junior
Radiooncologista da Radioterapia São Sebastião, Florianópolis e Lages, Santa Catarina
Debatedores:
Dra. Cristiane Glavam
Dr. Felipe Quintino Kuhnem
Dra. Adriana Magalhães de O. Freitas
Controvérsias em Radioterapia
Adenomastectomia e a Potencial Indicação de Radioterapia Pós-Operatória
Embora a finalidade principal do tratamento cirúrgico dos tumores de mama seja o ótimo controle local, emergem, notadamente nos últimos anos, a satisfação das pacientes e os resultados cosméticos como efeitos secundários desejados. As chamadas mastectomias conservadoras, a skin-sparing mastectomy, que consiste na remoção da glândula mamária com a preservação da maior parte da pele; e a nipple-sparing mastectomy, que preserva tanto o envelope cutâneo como o complexo aréolo-papilar (CAP), constituem avanços na abordagem cirúrgica das neoplasias mamárias que visam a oferecer os benefícios primário (controle oncológico) e secundário (estético) às pacientes. Nossa discussão será focada nas nipple-sparing mastectomies ou adenomastectomias.
Até recentemente, havia muitas dúvidas acerca da segurança oncológica das adenomastectomias. Somente em 2016, o National Comprehensive Cancer Network (NCCN) admitiu, em seus guidelines, poder ser realizado o procedimento em situações selecionadas: tumores iniciais com biologia favorável (receptores hormonais positivos e HER-2 negativo), a pelo menos 2cm de distância do CAP, com exames de imagem pré-operatórios mostrando ausência de envolvimento tumoral mamilar, margem mamilar negativa à histologia da congelação, ausência de descarga papilar ou doença de Paget (1). Embora não haja parâmetros universalmente aceitos para sua realização, a maioria dos autores concorda com estas indicações, podendo ser acrescidas a exigência de tumores até 5cm e ausência de doença multifocal ou multicêntrica e de invasão vascular linfática (2). A segurança oncológica do procedimento foi atestada por estudos retrospectivos e prospectivos vários, além de algumas metanálises e revisões sistemáticas, que definiram as taxas de recidiva local.
A mais recente revisão sistemática, esta focada exclusivamente nas adenomastectomias, analisou 73 estudos retrospectivos ou prospectivos, envolvendo 12358 procedimentos e 10935 pacientes, com seguimento médio de 38,3 meses (3). As taxas de recidiva local, complicações globais e necrose mamilar foram, respectivamente, 2,38%, 22% e 5,9%. Tais números reforçam a segurança oncológica do procedimento, especialmente se se recorda que as mastectomias convencionais podem ter taxas de recidiva local tão altas quanto 16% (2). As complicações gerais e a necrose mamilar tenderam a decrescer com o tempo, como atestam os estudos posteriores a 2013 com menores taxas. Isto reflete o fato de que os cirurgiões estão se tornando mais confiantes e familiares com as técnicas o que, adicionalmente, como discutiremos, levou à expansão das indicações da adenomastectomia nos últimos anos.
Constitui preocupação de alguns clínicos se a permanência de alguma porção de tecido mamário residual pode resultar em altas taxas de recidiva local. Com efeito, um survey (questionário) aplicado a radiooncologistas europeus e norte e sul-americanos apontou a preocupação dos radiooncologistas no que tange à avaliação da quantidade de tecido mamário residual após mastectomias conservadoras (4). O estudo recomendou avaliação com exame de ressonância magnética e sugeriu indicação de radioterapia caso a espessura do retalho cutâneo superasse 5mm. Merecem destaque, contudo, alguns pontos da literatura. A cirurgia mais radical pode não representar garantia de clearance glandular completo, desde que tecido glandular residual pode ser detectado em 5% em biópsias pós-mastectomias convencionais (5). Não obstante possa se demonstrar tecido mamário residual em 59% das skin-sparing mastectomies, doença residual aparece em apenas 9,5% (6). Retalhos cutâneos podem exibir malignidade residual em até 23% dos casos (7). Apesar destes números potencialmente alarmantes, como já dissemos, a literatura não tem demonstrado taxas proibitivas de recidiva local ou no retalho cutâneo, voltamos a lembrar, apesar do risco de tecido mamário residual. Esta sociedade não endossa a indicação de radioterapia pós-operatória em função somente da efetuação da adenomastectomia sem a presença de fatores de risco clássicos para recidiva. Outrossim, considera não haver documentação definitiva na literatura do papel da avaliação do tecido mamário residual ou da espessura do retalho cutâneo com vistas a decidir sobre indicação de radioterapia adjuvante. Acrescente-se não haver critérios imaginológicos bem definidos para que se ateste tal espessura e nem mesmo exame de imagem delineado com este fim. A avaliação do tecido mamário residual e da espessura do retalho cutâneo são condutas a serem adotadas em base muito individual e sem apoio na literatura consultada.
Como mencionamos anteriormente, nos últimos anos, têm as indicações da adenomastectomia se expandido para além das clássicas recomendações (8, 9). Os resultados são aparentemente promissores para tumores maiores que os preconizados inicialmente, para tumores mais próximos do CAP e para pacientes submetidas a quimioterapia neoadjuvante. Excetuando-se as pacientes com nítido envolvimento clínico ou imaginológico do CAP, tumores localmente avançados com envolvimento cutâneo, tumores inflamatórios e descarga mamilar, as demais pacientes podem ter indicada adenomastectomia. Estudos mais maduros com maior período de seguimento são necessários, contudo, antes que possamos sugerir o procedimento além das indicações clássicas.
Radioterapia Axilar ou Esvaziamento Axilar?
Durante a cirurgia dos tumores de mama iniciais, pode-se poupar as pacientes do esvaziamento axilar, posto que é possível que elas sejam tratadas com irradiação axilar sem prejuízo dos resultados oncológicos. O estudo AMAROS (After Mapping of the Axilla: Radiotherapy Or Surgery) (10) randomizou pacientes com tumores cT1-2cN0 e um nodo sentinela positivo a esvaziamento ou irradiação axilares. No braço do esvaziamento, 609 pacientes foram tratadas com cirurgia conservadora de mama, ao passo que 127 o foram com mastectomia. Entre as irradiadas, havia 557 abordadas com cirurgia conservadora e 121, com mastectomia. Não houve diferença nas taxas de recorrência axilar (0,43% x 1,19% em 5 anos nos braços do esvaziamento e da radioterapia, respectivamente), sobrevida livre de doença ou sobrevida global nos dois grupos. Linfedema clinicamente detectado em 5 anos ocorreu em 11% das pacientes irradiadas e em 23% das esvaziadas, diferença que foi estatisticamente significante. Também estatisticamente significante foi a diferença do aumento de pelo menos 10% da circunferência do braço em 5 anos, que foram, respectivamente, 13% no grupo esvaziado e 5% no grupo irradiado. Tais resultados se repetiram no estudo randomizado húngaro OTOASOR (Optimal Treatment Of the Axilla - Surgery Or Radiotherapy) (11), publicado no corrente ano. O estudo também aleatorizou pacientes com tumores até 3cm e sem nodos palpáveis clinicamente e com nodos sentinelas positivos a esvaziamento ou irradiação axilares. Duzentas pacientes receberam cirurgias conservadoras e 44, mastectomia no grupo esvaziado, ao passo que 200 foram abordadas com cirurgias conservadoras e 30, com radioterapia axilar. Não diferiram estatisticamente a recorrência axilar (2% no grupo esvaziado e 1,7% no irradiado), a sobrevida livre de doença e a sobrevida global entre os dois grupos. A morbidade axilar foi maior também no grupo esvaziado neste estudo, com diferença estatística: qualquer sinal clínico de linfedema, parestesias, edema, dor no braço, imobilidade do ombro deu-se em 15,3% das pacientes esvaziadas e em 4,7% das pacientes irradiadas. Diante dos resultados destes dois estudos randomizados e considerando que quase 20% das pacientes foram mastectomizadas, é razoável concluir ser a radioterapia axilar indicada em caso de tumores iniciais com axila clinicamente negativa e com nodos sentinelas positivos em pacientes tratadas com cirurgia conservadora ou mastectomia. Havendo clara indicação de radioterapia, pode-se abdicar do esvaziamento axilar.
Revisão Bibliográfica
1.NCCN. NCCN clinical practice guidelines in oncology: breast cancer, version 1.2016.2016. https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/f_guidelines.asp.
2.Mallon P, Feron JG, Couturaud B, et al. The role of nipple-sparing mastectomy in breast cancer: a comprehensive review of the literature. Plast Reconstr Surg 2013;131:969-84.
3.The oncological safety of nipple-sparing mastectomy: a systematic review of the literature with a pooled analysis of 12,358 procedures. Arch Plast Surg 2016;43:328-38.
4.Marta GN, Poortmans PM, Buchholz TA, Hijal T. Postoperative radiation therapy after nipple-sparing or skin-sparing mastectomy: A survey of european, north american, and south american practices. The Breast J, 2017:23:26-33.
5.Barton FE Jr, English JM, Kingsley WB, et al. Glandular excision in total glandular mastectomy and modified radical mastectomy: a comparison. Plast Reconstr Surg 1991;88:389-92.
6.Torresan RZ, dos Santos CC, Okamura H, et al. Evaluation of residual glandular tissue after skin-sparing mastectomies. Ann Surg Oncol 2005;12:1037-44.
7.Ho CM, Mak CK, Lau Y, et al. Skin involvement in invasive breast carcinoma: safety of skin-sparing mastectomy. Ann Surg Oncol 2003;10:102-7.
8.Smith BL, Tang R, Rai U, et al. Oncologic safety of nipple-sparing mastectomy in women with breast cancer. J Am Coll Surg 2017, doi:10.1016/j.jamcollsurg.2017.06.013.
9.Krajewski AC, Boughey JC, Degnim AC, et al. Expanded indications and improved outcomes for nipple-sparing mastectomy over time. Ann Surg Oncol 2015;22:3317-23.
10.Donker M, van Tienhoven G, Straver ME et al. Radiotherapy or surgery of the axilla after a positive sentinel node in breast cancer (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Lancet Oncol 2014;15:1303-1310.
11.Sávolt Á, Péley G, Polgár C, et al. Eight-year follow up result of the OTOASOR trial: The Optimal Treatment Of the Axilla - Surgery Or Radiotherapy after positive sentinel lymph node biopsy in early-stage breast cancer: A randomized, single centre, phase III, non-inferiority trial. Eur J Surg Oncol 2017;43:672-679.
Dr. Carlos Lima Junior
Especialista em Radiooncologia
CRM/SC 14673